terça-feira, 6 de março de 2012

O PROFESSOR GRILO - escritora Palmira Martins

Imagem Sónia Dantas

Paula era uma jovem de 13 anos que, como todos os jovens da sua idade, andava na escola.

Era magra e franzina e muito boa na prática de desportos. Embora praticasse vários desportos, gostava mais de atletismo. Começou por praticá-lo nas maratonas escolares mas, em pouco tempo, tornou-se conhecida nas provas regionais e até nacionais.

Todos os dias treinava intensamente, de manhã cedo e ao fim da tarde e nunca parecia cansada. Por isso, tinha já uma grande colecção de medalhas e troféus.

Mas Paula tinha um problema: tinha dificuldades na aprendizagem, em especial na leitura e escrita. E, quanto mais dificuldades tinha, menos se esforçava para as ultrapassar.

Embora os professores, os pais e até alguns colegas se oferecessem constantemente para a ajudar, a menina ia dizendo que aprender a ler era muito difícil e que nunca conseguiria. E, por isso, nem tentava.

Pode mesmo dizer-se que o que lhe sobrava em trabalho e empenho no atletismo, faltava-lhe na Língua Portuguesa.

E, apesar dos conselhos dos professores e dos pais, ia dizendo que não precisava de saber ler e escrever. Afirmava que, para ser feliz, lhe bastavam os prémios que ganhava no atletismo.

Ora, certo dia, nas férias de verão, estava ela sozinha em casa, quando recebeu uma carta. Mal o carteiro lha entregou, conseguiu ver que lhe era dirigida.

Rapidamente percebeu que o símbolo do envelope era da Federação Nacional de Atletismo. Era, de certeza, a resposta que esperava há tanto tempo.

Abriu a carta com ansiedade, à espera de saber a tão desejada resposta mas não conseguiu ler o seu conteúdo.

Apesar da carta ter só meia dúzia de palavras em letras grandes, não conseguiu ler. Bem se esforçou…Queria mesmo saber a resposta! Até conhecia algumas letras mas não as conseguiu juntar e decifrar o que estava escrito.

Então, como sabia que os pais só regressariam à noite, sentou-se à porta de casa com a carta na mão e, desanimada disse:

– Que chatice! Gostava tanto de conseguir ler o que está aqui escrito!

Foi então que ouviu uma cantar de grilo. Era um gri-gri estranho e bonito.

Olhou em volta para descobrir quem assim cantava quando viu um lindo grilo. Era diferente de todos os grilos que tinha visto até aí. Era muito colorido e tinha umas antenas douradas e brilhantes.

A menina estava admirada a apreciar a sua beleza quando teve uma surpresa ainda maior. De repente o grilo começou a falar:

– É mesmo uma chatice não conseguires ler essa carta! Se quiseres posso ajudar-te.

Paula até estremeceu. Nunca tinha visto um animal falar. Muito menos um grilo tão pequenino! Nem conseguiu responder-lhe. Abanou a cabeça e esfregou os olhos para ter a certeza que não estava a sonhar mas, já o grilito lhe perguntava de novo:

– Queres ou não ajuda para ler essa carta? Despacha-te que tenho muito que fazer. Ainda tenho de ir ensaiar para o concerto do jardim!

Nessa altura a menina não perdeu tempo:

– Claro que quero! Preciso mesmo de saber o que aqui está escrito!

– Eu vou ler-te a tua carta mas vou pôr algumas condições. São a paga do meu esforço! – respondeu o grilo.

– Oh! Já devia imaginar que querias alguma coisa em troca! Não tenho nada para te pagar! Paciência! Tenho de esperar que os meus pais cheguem para me revelarem o conteúdo da carta. – respondeu a menina, desanimada.

– Desistes facilmente! É por isso que ainda não sabes ler. Eu ainda não te disse qual era a minha paga. Eu não quero nada teu em troca. Aliás, quero só uma coisa simples: que aceites a minha ajuda para aprenderes a ler.

– Ah é isso! Talvez! Mas não é nada simples! É mesmo muito difícil! Já tentei e não consegui!

– Não conseguiste porque desististe rapidamente. Prometo que se me deixares ajudar-te e se te esforçares, aprendes a ler em pouco tempo. Já não és a primeira a quem ensino a ler.

– Se é assim como tu dizes posso voltar a tentar. Mas precisava mesmo de saber o que diz a carta. É tão importante para mim!

– Isso resolve-se. A partir de hoje, todas as tardes passarei aqui para te ajudar na aprendizagem da leitura e escrita. Agora vou dar-te a minha primeira aula e no fim leio--te a carta. Combinado?

– Combinado! – respondeu a menina.

Então, correu a casa e trouxe consigo os livros e os cadernos onde os professores lhe tinham tentado ensinar a leitura mas que ela abandonara há muito. Ali estiveram algum tempo, de livros na mão, a conversar e a olhar para as letras. Pareciam ambos entusiasmados e até divertidos.

Finalmente, já o sol se punha no horizonte quando o grilinho lhe leu a carta:

Informamos que, a partir desta data faz parte da seleção nacional de atletismo.

Paula saltou, cantou, dançou e abraçou o grilinho.

Este foi-se embora prometendo voltar no dia seguinte:

– Não te esqueças! Amanhã, espero-te ali no jardim, ao pé do tanque. Traz os teus livros e vontade de aprender.

– Com certeza, senhor Professor Grilo! – respondeu ela, divertida.

Mal ficou sozinha, pegou na carta e, como tinha decorado o que lá estava escrito, leu e releu aquela frase mil vezes.

Quando os pais chegaram ela mostrou-lhes a carta e leu-lhes a frase tão importante:

– Informamos que, a partir desta data, faz parte da seleção nacional de atletismo.

Os pais ficaram contentes e muito espantados por ela conseguir ler. Perguntaram-lhe como tinha conseguido mas ela não lhes contou que tinha tido ajuda de um grilo. Achou que, se lhes contasse isso, eles nunca iriam acreditar. Disse-lhe só que decidira aprender a ler e que já conseguia ler um bocadinho. Disse-lhes também que, por muito difícil que fosse, se iria dedicar e trabalhar para vencer as dificuldades.

É claro que os pais ficaram radiantes.

As férias de verão continuaram e, após os treinos da manhã, todos os dias Paula se dirigia ao jardim e, junto ao tanque, passava o resto da tarde a juntar letras, ler palavras e frases dos seus livros escolares.

Os pais nem queriam acreditar! A filha andava entusiasmada com a leitura e até já lia pequenas frases, em voz alta, no meio do jardim. O que nunca repararam foi que entre os livros e a pasta, estava um pequeno grilo colorido e alegre que, de uma maneira sábia e paciente, a ensinava.

As férias estavam a terminar quando, numa bela manhã de Setembro, o carteiro lhe entregou uma nova carta. Paula abriu-a com ansiedade e sem qualquer ajuda leu:

-Informamos que foi convocada, pela Federação Nacional de Atletismo, para os Jogos Olímpicos de Londres.

Escusado será dizer que houve logo festa em casa e, mais tarde, na escola. Mas o primeiro a saber a notícia foi o grilinho colorido que vivia junto ao tanque.

As aulas já recomeçaram e todos os dias, para além dos treinos de atletismo, Paula não perde uma aula de leitura e escrita. É que hoje sabe que é muito importante saber ler e que, com esforço, consegue ultrapassar muitas dificuldades.

Quanto ao grilinho colorido nunca mais ninguém o viu mas consta-se que continua a ajudar meninos que, tal como a Paula, sentem dificuldade na aprendizagem.

FIM

escritora

Palmira Martins

Março de 2012

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