domingo, 12 de junho de 2011

O AVIÃO QUE SE RI - CARLOS VAZ

Imagem Andreia Ribeiro


Como psicólogo, pediram-me para prestar alguns serviços de urgência no Aeroporto Francisco Sá Carneiro. Por isso, quando lá cheguei, compreendi que tinha muito trabalho, pois os aviões rapidamente começaram a entrar pela porta do gabinete (provisoriamente instalado numa enorme sala, para o efeito), queixando-se de incríveis maleitas de todos os tipos e feitios. Uns lamentavam-se das vertigens, outros de um medo incompreensível de voar. Havia ainda um avião que sofria do mesmo problema dos que tinham medo de levantar o pé do chão, só que ao revés, ou seja, nunca queria pousar um pé em terra, por esse motivo andava sempre às voltas durante toda a sessão. Foi por entre estes aviões singulares que conheci o avião mais macambúzio da pista, era tão beiçudo que ninguém se atrevia a embarcar nele, com o receio de alguma refrega. Perante tantas queixas, os mecânicos tentaram aparafusar-lhe o humor que faltava, mas tudo o que conseguiram foi uma tal resmunguice dos potentes motores que lhes ficaram a zumbir os tímpanos durante uma semana.

Quando o recebi, não me dirigiu a palavra uma única vez, de início parecia-me tímido, mas depressa compreendi que era simplesmente casmurrice. Decidi então fazê-lo rir um pouco… contei-lhe algumas anedotas sobre helicópteros (é sabido que todos os aviões gostam de ouvir boas anedotas sobre as maluquices dos helicópteros), mas nada, nem um único esboço de sorriso, depois falei-lhe da divertida história da avioneta pitosga que se enganava no aeroporto e aterrava sempre numa leira aqui perto… pois bem, foi exactamente enquanto lhe contava esta história que aconteceu o seguinte… vindo do nada, um avião caiu na outra ponta do meu sofá, atirando-me, imaginem bem, para o alto candeeiro da sala onde fiquei pendurado. Era o avião que não queria aterrar que, já sem combustível, resolvera, por fim, pousar no meu confortável sofá… esquecera-me totalmente dele, lá em cima, longe do meu olhar. Assim, perante aquele cenário tão cómico, o avião antipático soltou uma longa gargalhada, mostrando uma dentição completamente arruinada, muito fanado, com os dentes por lavar e até alguns podres, com um incrível mau-hálito quase impossível de descrever.

Foi assim, desta forma tão estranha, que cheguei à conclusão que o avião resmungão não precisava de um psicólogo, mas antes de um bom dentista. Seguiu o meu conselho, por isso é que hoje, com dentadura nova, é o avião que mais ri em toda a pista, ri das anedotas de helicópteros, das queixas da avioneta e do avião que nunca quer pôr o pé no chão. Ri, ri de tal forma que todos querem nele voar, porque na verdade todos sabem que o riso faz a qualquer um levantar voo.

Se forem um dia ao Aeroporto Internacional Francisco Sá Carneiro, podem perguntar pelo avião que se ri. Se o encontrarem contem-lhe a anedota do helicóptero que não parava de andar à roda, é a sua favorita

Carlos Vaz

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